terça-feira, 28 de setembro de 2010

CONTOS EM CONTADAS LINHAS série de contos curtos de Laercio Nicolau

I
Daquele instante em diante sua rotina não era mais a mesma. Tinha acabado  de conhecê-la e já lhe prometia tudo- rosas, jóias e um coração posto em prova-. Sua vida não seria mais a mesma, seus amigos, familiares, companheiros dos bares, todos o desconheciam- roupas mudadas, a barba rala sempre aparada, perfume e um ar de que as coisas não mais importam- Sua imagem tinha mudado diante dos outros, no entanto ele não havia mudado um habito antigo: O de sempre passar pela banca de jornal e raspar os olhos sobre todas as noticias para ter assunto para o resto do dia, era a forma de manter-se falante e parecer inteligente diante do povo do serviço. Num dia leu uma noticia que o abalou, ela- a detentora- era conhecida como uma mulher sem passado em outra região e se mudara recentemente pra lá. Daquele instante em diante sua rotina não era mais a mesma. Ele lhe prometeu tudo. Um passado. Um presente. Há futuro?
 Laercio Nicolau
II
Coube a ela a decisão. Estava completamente só naquele momento. As imagens que lhe cortavam o pensamento a remetiam a lugares desconhecidos. Estava completamente só naquele momento. Os vizinhos tomavam conta de suas vidas ordinárias e ela extraordinariamente sentia seu corpo dissipar de sentidos e de lugares. Estava completamente só naquele momento. Os poucos objetos que carregava consigo há algum tempo, não lhe prendiam mais em seu mundo, as marcas deixadas pelo tempo e pelos cigarros na pele só lhe alertavam. Estava completamente só naquele momento. Um parapeito a separava do que era e do mistério, do abismo... Um suspiro profundo. O telefone insiste em chamar- Vão- Estava completamente só naquele momento. Seus pés pequenos se esticam em ponta, alcança a altura ideal, observa o vazio da cidade e seu ar. Coube a ela a decisão. Talvez não estivesse só.
 Laercio Nicolau
III
Inseparáveis. Era assim que se autonomeavam. Cresceram juntos desde onde ainda não se tem memória, nunca se viram realizando coisas separadas, ações solitárias. As pessoas achavam tudo aquilo lindo, mas muitos não percebiam a dimensão daquele amor, imensurável. Infância, primeiros amores com as dores a reboque, porres e fossas. Tudo comungado, tudo vivido junto. Uma corrida até o campo ou um passeio de bicicleta nunca era comum, sempre o melhor momento daquelas vidas. Um choque, o inevitável, o irreparável, a dor eterna- a morte. Tudo passa a não ter sentido, faltam chãos e faltam asas, o mistério se instaura. O que há depois do último fôlego? Tentativas falhasde reviver um passado. Passeios a esmo, sem destino e sem fim tornam-se rotina e nada tem controle ou se controla. Tomada de decisão. Inseparáveis. Era assim que se autonomeavam. Nessas vidas se amaram.
 Laercio Nicolau
IV
Aquela copa de árvore me envolvia/e envolto a tanta sombra me deparava contigo/linda e minha/sons indecifráveis e imagens torpes me remetiam a uma realidade que ao acordar não me lembrava mais. Não sei te falar do sonho que tive/mas sei que era você e que eu estava lá/as mãos pequenas da criança deviam ser as minhas procurando algo para me agarrar/sei que você estava lá/o sonho era meu/nós estávamos lá/a mão era a tua. Cobriu-me com as folhas caídas e riamos, riamos tanto que ao nos olharmos paralisamos/ um diante do outro, eu diante de ti/a copa da árvore nos inebria e envolvidos ficamos ali. Estáticos e sem tempo para todas as coisas. Nada que se move nos remove de nós mesmos/Nada transforma aquele nosso estado, invólucros/ Minha mão era a tua/minha boca era a tua/minha pele era a tua/minha voz era tua/Enfim eu era teu/ A copa da árvore nos envolvia/Nem reparamos que chovia. E como chove.
 Laercio Nicolau
V
...Se arriscou e lhe pediu licença. Vinha o observando há dias e percebia sua distancia, sua mente profunda pra si mesmo. Começou a lhe perguntar coisas sobre sua vida, de onde vinha, gostava de que tipo de comida, já leu livros ou escutou discos raros. Resposta nenhuma daquela boca, nenhuma expressão de presença naqueles olhos. Noutros dias a mesma coisa, mais e mais perguntas, levara um doce que fizera especialmente pra ele, nada. Nem palavra, nem doce, nem olhar. Dias e dias, sempre a mesma coisa adicionada de um agrado novo. Perseverança talvez fosse seu forte, pois meses se passaram e aquela figura sempre ali, as mesmas vestes, o mesmo cheiro, a mesma cor e o infinito mesmo silêncio. Um dia ela desistiu. E como quem terminasse um namoro antigo se despediu dizendo-se cansada e que iria dar um passeio pra distrair. Ele a chamou e disse que era o que ele esperava há tanto tempo, um convite pra um passeio e distração. Saíram caminhando juntos. Nunca mais foram vistos...
 Laercio Nicolau
VI
- Se agarre em mim
- Estou com muito medo
-Se agarre com força e não olhe mais nada... só pra mim
-Tá certo, mas corremos algum risco?
- O de perder o melhor se não me agarrar e vir comigo
- Vamos então. Mas de uma vez pra não dá tempo...
-Tempo de que?
-De desistir, sabe que desisto das coisas!
- Está pronta?
-Acho que sim
-No três
-Um
-Dois
-Trêeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeees
Laercio Nicolau


VII
...Vestiu-se apressadamente, deu um gole no café, pegou os dois cigarros, tirou um sarro e saiu escada abaixo, pela cortina se ouvia cantarolar uma canção meio Beatles, meio Odair José... sei lá algo pegajoso, não gosto de música. Passei o dia enjaulado, trancado em mim mesmo, nada de muito sério ou que merecesse apego- futilidades mil- acho que minha cabeça anda um tanto esvaziada de idéias e tentativas, já tive tanta ousadia e hoje nada, nem um salto no vazio. Será que o amor deixa a gente besta a esse ponto. Seis da tarde, já é hora, tomo um banho apressado e me chega com a cara de frescor da rua. Me basta. Me oferece um cigarro, peço outro em seguida, tá pago o meu dia e foi barato.
Laercio Nicolau
VIII
Quando eles se abraçaram naquela cidade, forasteiros, era como se num instante eles fossem a própria cidade, as ruas, as veias, o fluxo, o sangue. Ela toda imersa naquele ínfimo espaço. Cidade que dissipa e segue seu ritmo na frouxidão daqueles braços...
Laercio Nicolau
IX
Boa noite. Saia pela cidade a escolha dos maltrapilhos e sonâmbulos, sempre elegia os viciados, os sedentos pelo mistério da morte. Gastava toda grana que ganhava e sustentava os mais improváveis vícios por dias e noites sem fim. Afundava o cidadão e assistia o mergulho, até o fim, até da vida o ultimo resquício. Tem um nome pra isso. Sadismo. Boa noite Tem vícios?
Laercio Nicolau

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